sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Salsicha e o rato calunga

Francisco Muniz


Salsicha remexe os bolsos, muita coisa cai no chão, ela joga o resto: um dedal (devolver logo pra Mamãe), um broche de bijuteria, três botões, um prego, outro prego, uma figurinha de álbum, um caroçod e manga pintado de azul e um rato calunga que sai correndo e se enfia debaixo dos jornais no canto da sala.

A casa não está vazia. Salsicha ouve Mamãe trabalhar na cozinha. Lá de dentro vem o som aluminado das panelas. "Mamãe faz comida, pode até ser meu mingau", pensa. Olha para os jornais amarfanhados no canto e dá dois passinhos até lá. Agacha-se, coloca uma mãozinha em cima e enfia a outra embaixo. Traz o ratinho que se comporta direitinho em sua mão. Ah, se Mamãe soubesse! 

Mamãe canta na cozinha - como é doce ouvir a voz de Mamãe! Continue cantando, Mamãe, que você me alegra muito assim.

Salsicha tem dois anos. Só. O rato calunga que ela tem na mão não tem idade: pode ter um mês ou treze anos; pode ter um século ou cem mil dias. Salsizha não sabe. Mamãe não sabe. O próprio rato saberia?

O rato calunga se chama Calunga, simplesmente. Salsicha o batizou. Salsicha derramou-lhe água em cima (lembrou que fizeram assim com ela).

Mam~e grita lá de dentro que o mingau já está pronto. Salsicha  quer o mingau? Salsicha quer, mas a Mamãe não pode ver o Calunga. Mamãe tem medo do Calunga e Salsicha não compreende por quê. Salsicha inclusive ri quando Mamãe sobe no sofá quando o Calunga passeia pela sala.

Mamãe deixa a mamadeira com Salsicha e deita-se no chão, recostada numa almofada, e volta paa cozinha.

Assim que Mamãe some de vista, Salsicha se levanta e tira Calunga de baixo dos jornais e empurra-lhe a mamadeira na boca. Calunga não sabe como tomar mingau na mamadeira e suja-se todo, o tapete da sala vira uma lagoa de mingau. Mamãe grita da cosinha: "Já acabou, Sal?"

Sal não acabou, mas o mingau, já. Mamãe virá ver a poça que se formou no tapete e ficará zangada com Salsicha. Mas Sal tem consciência, é uma menina boazinha e não deixará que Mamãe se zangue por causa desse minguau no tapete. Passa sua mãozinha sobre a poça branca, procurando limpar o tapete, mas só o que consegue é deixar tudo, inclusive ela mesma, numa situação pior. Agora sim é que Mamãe ficará realmente aborecida. "Mas Sal!"

Mas Sal não fica nem um pouco chateada com a bronca da Mamãe. O que ela quer mesmo é brincar com o Calunga, fingir-se de rato também, meter-se debaixo dos jornais. Esta Salsicha!

Sal, Salsicha... o carinho aumenta à medida que o nome diminui. TUdo culpa do Papai. Só porque ela nasceu pequenina e gordinha o papai inventou logo de batizá-la de "Salsicha" - depois ficou "Sal", pra descansar mais a boca. "Esse Papai!" Mas Sal até que não soa mal, não. "Pode me chamar de Sal, viu, Pai? - de de Salsicha também, se quiser."

***

Esse conto escrevi quanto a mãe de Pedro e Laura ainda usava fraldas e era filha única, seus irmãos, Caio e Ananda, chegariam pouco tempo depois e tomariam o lugar do rato Calunga nas brincadeiras da menina...


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Saudade

 


Hoje vivendo em Curitiba, Ulisses, nosso neto número três, desenvolve-se em meio à saudade deixada na Bahia (e que tanto ele quanto os pais tembém experimentam nas terras paranaenses, no solo fértil onde crescem as araucárias). Notícias vindas de lá dão conta de que ele concluiu com louvor seu segundo ano do Ensino Básico, causando alguma sensação na escola curitibana onde está matriculado por ser o único bainano - mas ele tão bem e depressa se adaptou à nova realidade que muito facilmente o batizei de "curitibaiano". Mas ele, junto com os pais, está vindo passar as férias aqui conosco, deixando momentaneamente o frio paranense para aproveitar o caloroso clima de baianidade que exalamos para todo o País!

O vácuo da adolescência (off)


A gente pensa que, por chegarem à adolescência e conviverem bem mais com seus conflitos íntimos nossos filhos e netos perdem a capacidade de demonstrar aquela verve bem-humorada que nos encantava durante a infância deles. Não é bem assim. Outro dia me me lembrava de um episódio envolvendo Pedro e Laura quando ambos se econtravam na segunda infância, ali pelos 9 ou 10 anos de idade. A menina havia feito algo que motivara a reação do irmão que, recorrendo a mim, ouviu-me dizer:

- Sua irmã tem a primazia, Pedro!
Desconhecedor dessa palavra, Pedrinho imaginou não sei o quê e me indagou:
- Ela está doente?
Lembro-me de ter explicado a ele do que se tratava a primazia, mas esse conhecimento deve ter caído no poço do ostracismo, porque recentemente fui almoçar com eles e recordei o tal episódio do passado, inquirindo meu neto sobre o significado da palavra primazia.
Pedro interrompeu seu movimento com o garfo e me dá uma resposta como os jones da atualidade fazem: à guisa de pergunta:
- É um remédio para azia?
*
Faço esta postagem, contudo, não por Pedro, neto muito amado, mas pela irmã dele, a sempre querida Laurinha, que neste dia 11 de dezembro do ano da graça de Nosso Senhor de 2023 completa seus 14 aninhos, manifestando a graça de menina-moça e já anunciando a mulher responsável, corajosa e determinada que será nos tempos vindouros.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

(off) Promessa

 


Laurinha já havia feito sua promessa no sentido de honrar o legado de Baden Powell e abraçou o escotismo. Pedro, no entanto, ficou se amarrando durante algum tempo mas finalmente decidiu-se por atender aos apelos do Papai Alexandre e prometeu tornar-se escoteiro. Agora, ei-lo garboso em sua farda ostentando seu diploma, fazendo-se sempre alerta para os deveres que lhe competem. 

(off) Novela




Mamãe Sal contou agora que principalmente Laura ficou impressionada com a participação de Ana Maria Braga em certo quadro do programa Domingão do Hulk, ontem à noite. A companheira televisiva do Louro José fazia uma homenagem à cantora luso-brasileira Carmem Miranda, devidamente caracterizada.


Laurinha questionou minha filha:
- Mãe, você conhece essa cantora?

Sal confirmou:
- Sim, "essa" é Carmem Miranda!

Nisso, Pedro, demonstrando sua argúcia, interfere na conversa:
- Você não se lembra, Laura? Ela estava naquela novela, Amor Perfeito!

Na hora que Sal contou isso, eu ri, achando que Pedro manifestava seu proverbial desligamento, mas ele estava certo. Eu é que não me ligo muito em novelas...

sábado, 29 de abril de 2023

De volta (off)

 


Depois de três dias no "estaleiro", finalmente Ulisses está em casa. Há dias lutando com uma tosse persistente que os médicos diagnosticaram como "virose" (possivelmente derivada do surto de VRS), ele precisou ser internado na quarta-feira devido à miosite que o acometeu. É que o menino amanheceu acusando dor nas pernas e, levado a uma clínica infantil, foi diagnosticada a inflamação nos músculos. Segundo explicaram o vírus responsável pelo comprometimento dos brônquios desceu até as pernas de Ulisses, que precisou ser submetido a um tratamento à base de soro.

Afora o vexame que ele deu na hora de colocar o acesso na veia do pulso, para meu neto a estadia na clínica pareceu uma hospedagem em hotel, principalmente em vista das refeições e lanches oferecidos  em horários regulares. Do mesmo modo, ele se divertiu com as assistentes das áreas médica e de enfermagem que o paparicaram o tempo todo. Só não foi divertido para a família, especialmente para a Mamãe Ananda, que o acompanhou durante o tempo em que Ulisses permaneceu internado. 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Bota-fora (off)

Neste sábado de Aleluia fomos à festinha de despedida que meu genro Gabriel ofereceu a parentes e amigos. A família, isto é, Ananda, Ulisses e ele, está indo morar no Paraná e os sentimentos, neste momento importante para a vida deles, se manifestam numa mescla de alegria, por vê-los alçar voo no rumo do progresso, material que seja, e tristeza, pela separação física, mesmo que momentânea. Ulisses já assimilou a necessidade de partir junto com os pais, mas quando a notícia surgiu, meu netinho se angustiou um pouco, perguntando se era mesmo preciso ir. Mas à avó ele, que costuma passar as tardes conosco ao voltar da escola, confidenciou:
- Vovó, eu vou sentir muita falta de sua comida!
Mas, como é um menino como todos os outros, ele sabe tirar de letra a situação aparentemente adversa, manifestando um bom humor digno da verve dos Muniz:
- Vovó, acho que, quando você for me ver no Paraná, eu já vou estar com barba e bigode!